sexta-feira, 25 de abril de 2008

A Revolução no Espectáculo



Portugal atravessava na época a Revolução dos Cravos, no 25 de Abril de 1974, um tempo complicado na vida política, social e costumes de Portugal, que culminou com o chamado 'Verão quente' de 1975. “Vivia-se uma época muito complicada, estranha mesmo, com uma inesperada sensação de liberdade, mas com um domínio esquerdista que chegou assustar. De qualquer modo vivia-se a liberdade no seu auge, o primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo mandava as pessoas à merda, e os cabos milicianos do COPCOM entravam no Scarllaty Clube de G3 ao ombro. Havia membros do Concelho da Revolução que eram clientes assíduos (Vitor Alves e Compª.), nos espectáculos, ao fim da noite embebedavam-se lá pelas quinhentas, e acabavam na pista a fazer mariquices imitando os travestis!” (Sic. Livro de Manuela Gonzaga).



É antológico no meio artístico português, o episódio passado entre Guida Scarllaty e uma manifestação de trabalhadores da construção civil que passava à porta do seu Clube, que ficava na Rua de S. Marçal, 111, a meio caminho do Palácio de S. Bento. A manifestação organizada pela esquerda começara a percorrer as ruas de Lisboa depois de os trabalhadores finalizarem seu dia de trabalho, e atrasara sua chegada prevista para a Assembleia da República, ali chegando perto da meia-noite. A essa hora realizava-se no Scarllaty Clube um espetáculo que tinha sido agenciado por uma rent-a-car para festejar seu aniversário com o empregados.

O barulho ensurdecedor de palavras d'ordem de manifestantes interromperam por bastante tempo a representação. Guida Scarllaty enfurecida, saiu porta fora do Clube, e tal como estava vestida em cena, de grande peruca loira, pestanas negras e vestido comprido de lantejoilas prateado, subiu para cima do capôn de seu carro que estava estacionado à porta, gritando: "Vão trabalhar malandros!". Gerou-se logo confusão e burburinho, entre manifestantes e público da sala. A polícia teve de intervir. Guida Scarllaty regressou ao palco de peruca amassada e o seu carro, um Mercedes 200D ficou danificado.





No dia seguinte, os jornais falavam da 'manifestação dos pedreiros' mas era Guida Scarllaty que figurava à cabeça da manchete. O jornal 'Actualidades' dirigido pelo polémico jornalista Silva Nobre chamava-lha "a nova Maria da Fonte". Os jornais não deixavam passar em branco o que acontecia no Scarllaty Clube. A casa enchia rapidamente, e muita gente ficava de fora, o que aguçava ainda mais a curiosidade de quem não conseguia entrar.


Era de facto uma grande variedade a elite de gente do espectáculo e das artes e letras que predominavam na noite scarllatiana, num ambiente misto, porque nunca foi definido como gay absoluto. Guida Scarllaty dizia que ‘ambientes elitistas são demasiado redutores, e sempre gostei das grandes misturas e confusões...’ Nessa época não havia jet-set. Os famosos eram os que viviam a noite da movida lisboeta. (Sic. Livro de Manuela Gonzaga).





A apresentação de Guida Scarllaty na época foi muito comentada, mas também saudada fortemente pela crítica da especialidade, que a considerou de arrojada mas talentosa nos personagens interpretados pelo elenco que Scarllaty liderava.


Durante anos o sucesso foi enorme, sempre com espectáculos de lotações esgotadas, e o Café-Concerto o local mais 'in' de Lisboa. O Scarllaty Clube é o pioneiro deste novo tipo de espectáculo em Portugal, e arrasta atrás de si outros empresários que copiando o estilo tornam o espectáculo de travesti na atração da época em Lisboa, com a abertura de novos pequenos cafés-concerto como o Rocambole, Ronda 77, Trumphs e Finalmente, entre outros.




Uma avalanche de novos e bons artistas nasce então pela mão de Guida Scarllaty: Lídya Barllof, Doll Phoenix, Ruthe Bryden, Zizi Mayer, Belle Dominique, Wanda Morelly, entre muitos outros. E até a então jovem Deborah Cristal passa por entre as plumas e lantejoilas do camarim de Guida Scarllaty, numa experiência e inspiração que se lhe tornaria inesquecível durante a sua carreira.


É a época de ouro do espectáculo de travesti em Portugal!

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