quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
segunda-feira, 3 de maio de 2010
A ÙLTIMA NOTìCIA
Guida Scarllaty
por Bruno Horta, Publicado em 04 de Maio de 2010
O travesti mais conhecido da noite lisboeta não actuava há 20 anos. O i acompanhou o regresso e ouviu as histórias do seu passado
Trocou muitas vezes de cidade, de amigos, de amores e de profissão. Só nunca abandonou a personagem que o tornou famoso no fim dos anos 70 em Lisboa e que marcou um antes e um depois no travestismo artístico português: Guida Scarllaty, mulher faustosa e brejeira, caprichosa e burlesca, tímida e desbocada. Na sexta-feira passada regressou, depois de 20 anos adormecida, e estreou-se no palco da discoteca Mister Gay, no Monte da Caparica, perto de Almada.
sexta-feira, 25 de abril de 2008
Mais uma estrela que ficou a cintilar
Com a saída de "cena" de Guida Scarllaty,
É o nome artístico do ator português Carlos Alberto Nogueira Ferreira, que dedicou a maior parte de sua carreira ao espetáculo de travesti em Portugal. Nasceu em Lisboa, no ano de 1943, de família modesta, estudou arquitectura em Belas Artes, e mais tarde cursou teatro no Conservatório Nacional de Lisboa, tendo por colegas nomes como Irene Cruz, Nicolau Bryner e Henriqueta Maia, entre outros talentosos atores hoje consagrados.
Na década de 70/80 tornou-se no mais popular comediante português ao "vestir" a pele controversa de um personagem exuberante e inesquecível: Guida Scarllaty.
Passou então apresentando os seus próprios shows que obtiveram sucessos enormes nos palcos de Lisboa e na televisão, fazendo manchetes e as delícias de jornais e revistas ávidos de sensação na época.
Antes, Carlos Ferreira já tinha participado em diversos filmes portugueses, fazendo figuração periódica nos estúdios da Tobis Portuguesa, em vários filmes realizados por Arthur Duarte.
Destaque especial para o filme realizado por Manuel Guimarães, "O Crime de Aldeia Velha" (1963), baseado no livro do escritor Bernardo Santareno, com produção de António da Cunha Telles, onde participou do elenco com a atriz (francesa) Bárbara Laage, e os atores (portugeses) Mário Pereira e Rui de Carvalho, Maria Olguim, Alma Flora, entre outros.
Posteriormente, já como Guida Scarllaty deu corpo a diversos personagens em cinema na equipa da Cineground, em filmes realizados pela dupla João Paulo / Óscar Alves, os quais fizeram furor na época pelo arrojo dos temas abordados na década de 70 / 80.
Antes, tinha elencado grupos de teatro em várias companhias, sendo as mais significativas a Companhia de Teatro Gerifalto (infantil, 1960) e Companhia Nacional de Teatro (1965 - na foto à dtª.)) dirigida pelo famoso ator português "mestre" Francisco Ribeiro (Ribeirinho), entre outras.
No início dos anos 70, Carlos Ferreira escreve e realiza foto-novelas para a Agência Portuguesa de Revistas, que são o sucesso de leitura na época. Tinha também como hobi, dirigir um Grupo Cénico chamado "Os Columbófilos", com sede numa Coletividade de Recreios em Cascais, onde ele então tinha sua residência.
Foi aí nesse lugar que ensaiou ainda no tempo do Salazarismo, os primeiros passos na representação em travesti, apresentando-se com diversos personagens burlescos sempre vestido com extravagantes trajes femininos, nas festas organizadas pelo Clube em épocas especiais como o Fim de Ano ou Carnaval.
O sucesso dessas suas representações foi imediato, e transpôs 'fronteiras' chegando rumores á capital, onde se comentava o 'escândalo' que era um homem vestido de mulher naquela época em palco enfretando uma plateia de publico. Só grandes e consagrados atores de teatro como Raul Solnado ou José Viana tinham esse privilégio, sem ficarem conotados com desvios que a sociedade conservadora da época rotulava de homossexuais.
Homens de teatro como o famoso autor César de Oliveira e o encenador Carlos Avilez ou escritores como Mário Cesariny e a poetisa Natália Correia foram espectadores ‘de honra’ e privilegiados desses espectáculos, então considerados ‘perversos e malditos’.
Incentivado por isso, em 1975, Carlos Ferreira rompe barreiras, e 'atreve-se' a vestir pela primeira vez a pele de um personagem chamado "Guida Scarllaty", uma vamp glamourosa, atrevida e sofisticada, com guarda-roupa suntuoso de alta fantasia, misto de luxo e burlesco, inaugurando nessa data aquele que seria o primeiro e mais famoso Café-Concerto de Lisboa dedicado a shows onde o espetáculo de travesti era atração principal.
Foi a grande provocação nacional.
A Revolução no Espectáculo
segunda-feira, 14 de abril de 2008
domingo, 13 de abril de 2008
O Scarllaty transformara-se no bastião do espectáculo de Café-Concerto em Portugal, e era procurado pela elite de artistas, escritores e gente famosa.
quarta-feira, 9 de abril de 2008
O HOMEM
Nasceu em Lisboa, já lá vão uns tempos. Mas sempre gostou do Algarve, a região que escolheu para viver. Recorda que, quando jovem, passava as suas férias estudantis com a família nas praias algarvias, e um dos petiscos favoritos eram as sardinhas assadas “numa tasca, ali em Portimão debaixo da ponte”, onde ainda hoje lá vai. Sempre que pode. Os tempos foram se passando e formou-se em arquitectura. Viajou muito, passou algum tempo fora de Portugal, onde encontrou um relacionamento amoroso que o conduziu a um casamento precipitado. Anos mais tarde a separação. Era o tempo da “Primavera Marcelista” que mascarava a ditadura. Com o 25 de Abril, a vida torna-se difícil para o jovem arquitecto: “Não havia investimentos, a economia estagnou, e muitos colegas meus optaram por outras paragens, o Brasil”.
De livre vontade, manteve-se em terras lusas e afirma, que face ao tumultuoso PREC (Processo Revolucionário em Curso) ocasionado pelo 25 de Abril, aderiu como simpatizante ao então PPD de Sá Carneiro. “Na época, qualquer atitude tomada, era ‘política’. E fui dos primeiros - acrescenta - a mostrar que a luta contra o avanço desenfreado do golpismo sob capa de comunismo, tinha de ser feita sem medo na rua, e não só nos gabinetes. Era a luta pelo pluralismo e pela liberdade de ideias”. Recorda então que, contra a opinião de sua Mãe (na imagem em cima, numa estreia do Scarllaty - Foto Correio da Manhã) e dos seus amigos e colegas de militância, em 1974 pegou numa mesa de campismo “e em pleno Rossio vermelho montei uma banca de megafone na mão, com pins, bandeiras e informação do PPD. Amigos meus observavam ao longe, caso houvesse sarilho. As pessoas diziam que eu era maluco, que me arriscava a apanhar uma boa tareia - António Capucho, mais tarde Secretário Geral do PSD foi um deles, mas o certo é que o fiz e, acreditem ou não, não me arrependi. Mostrei que assim é que tinha de ser”. E assim foi...
O ARTISTA
Profissionalmente desempregado em finais de 1974 e sem vislumbrar possibilidade de exercer a sua actividade, a nossa personalidade de hoje decidiu pegar em parte dos dinheirinhos amealhados e montar um clube nocturno.
Surgiu assim o primeiro “bar-disco” lisboeta, onde, na fase da euforia revolucionária, os clientes eram obrigados a entrar com smoking ou, pelo menos, em fato e gravata nas grandes festas. Gangas é que não. Pretendeu criar um espaço diferente, recusar as barbas intelectuais da comunização ultra-esquerdista que estavam em moda, e atrair “malta nova e desconhecida, mas com jeito para as artes do palco” e de preferêrncia, bem vestidos.
Fez várias experiências, e surgiu assim o "Scarllaty Club", onde foram apresentados alguns polémicos espectáculos e até apresentados jornais de tendência direitista. Vera Lagoa fez ali a festa de lançamento de "O Sol" de pouca (dita) dura, diga-se de passagem. Foi ousado e rompeu com o espectáculo tradicional. Apostou em algo diferente e o “Scarllaty Club” passou a café-concerto, um espaço que gerou a aparição dos primeiros travestis portugueses. Lídia Barllof escolheu aquele espaço como maternidade da sua vida artística onde conheceu os primeiros sucessos.
Mas, como quase sempre acontece, nem sempre as coisas correm como pretendemos. E o “Scarllaty” também passou de início por uma fase crítica, logo resolvida com mais um novo nascimento: o de Guida Scarllaty (na foto ao lado - o início). A nossa personagem de hoje conta-nos que tudo aconteceu perante a recusa de Lídia Barllof em participar num certo espectáculo de uma noite especial, caso não lhe fosse aumentado o cachet nessa mesma noite: “Foi um confronto desnecessário, uma quase 'chantagem'. Nós tinha-mos a casa cheia de público, e eu não podia falhar pela responsabilidade que tinha. Mesmo assim corri o risco, apesar de ainda nunca ter feito travesti em palco em Portugal. Peguei numa cabeleira, vesti o guarda-roupa disponível, arranjei-me o melhor que podia e, claro, arrisquei-me às assobiadelas, substituindo a Lídia Barllof nos mesmos números que ele fazia. Eu sabia-os todos de cor, foi só dar-lhes o meu jeito”.
E as coisas correram exactamente assim, Guida Scarllaty, a nova estrela do travestismo português acabava de nascer, para rapidamente destronar Barllof do ceptro de vedeta da sua casa. O sucesso multiplicou-se e as polémicas surgiram, qual delas a mais extravagante e desnecessária.
QUEDA E ASCENSÃO
Anos depois, Scarllaty (Guida) em plena ascensão. Scarllaty (Club) em queda frontal. Convidada para cada vez mais novos espectáculos, a nova vedeta é obrigada a percorrer o país e a ausentar-se por longos períodos daquele palco que a viu nascer (na foto, em Londres, no Sttardust Casino, com o famoso mágico Eiric Zee).
Em cada regresso repara que as modas até já param mal, com os empregados a fazerem das suas. Decide fechar o clube e dedicar-se à sua carreira e nova actividade: a de actor. E, tudo vai correndo bem superando mesmo as expectativas. Percorre o país de lés-a-lés e afiança preferir o público nortenho ao restante: “Exigem mais do artista , mas também quando satisfeitos contemplam-nos com a maior ovação”.
Refugiado no Algarve, durante longos anos “logo após o fecho do “Scarllaty Club”, Carlos Ferreira foi-se desmultiplicando em inúmeras actividades: de actor, a relações públicas passando naturalmente pela de animador de grandes espaços e discotecas. Desde 2005 que divide a sua actividade entre Portugal e o Brasil, onde tem participado em inúmeras actividades culturais no mundo do espectáculo. Neste momento é mesmo o Director Geral de animação numa conceituada empresa hoteleira luso-brasileira no Estado da Bahia.
SÓ?
Alguns dizem que é uma pessoa só. Mas não será nada assim: vive rodeado de alguns amigos e de muitos animais, particularmente cães, pelos quais tem uma estima especial, e na companhia dos seus progenitores. Uma família (na foto, acompanhado dos seus pais). E, muitas vezes, convida os amigos para um curto espaço de férias na sua "casa" algarvia, sendo um autêntico mestre na arte de bem receber.
Da sua vida sentimental pouco se sabe, mistério bem guardado, mas socialmente é uma pessoa que não sabe e não quer estar sozinha.
É Guida Scarllaty, sim senhor. Hoje já com os aninhos a aparecerem na sombra, mas mesmo assim afiança que ainda não é altura para escrevermos a crónica das suas memórias. “D. Margarida”, como carinhosamente chama à personagem por si criada (Guida Scarllaty), ainda está “para lavar e durar”, promete.
A nossa personagem de hoje é, pois, o pai de “Guida Scarllaty” e veste-lhe mesmo a pele. É um homem como outro qualquer, mas escolheu conscientemente o lado da profissão de artista mesmo no fio da navalha. Com todos os riscos e consequências. E, pelo que lhe conhecesse-mos, estamos crentes de que se o tempo voltasse atrás, no essencial, não o mudaria nada.
Senhores e senhoras acabamos de apresentar Carlos Ferreira versus “Guida Scarllaty”.
Uma salva de palmas, por favor.
Autor: Júlio Oliveira
01 de Novembro de 1992 - Extratos de artigo publicado no Jornal “Primeiro de Janeiro”